Nas sociedades ocidentais, a terceira idade é pensada como uma carga que poucas pessoas são capazes de lidar e poucas instituições atuam com competência para refletir e gerir políticas públicas de apoio e cuidados com pessoas que conseguem ultrapassar seus 60 anos de idade.
O entendimento da OMS de tratar a senilidade como doença é um claro exemplo do absurdo que é o envelhecer para o mundo. Claro que depois da pressão da sociedade civil, a OMS recuou e trocou “velhice”, na Classificação Internacional de Doenças (CID), por “declínio da capacidade intrínseca associado ao envelhecimento”, no entanto, uma classificação polêmica como essa, que condena a própria natureza, não poderia dizer outra coisa senão que o preconceito ainda é motor do pensamento mundial.
No ocidente, envelhecer é sinônimo de incapacidade de opinar. Aos velhos, é relativizado o direito ao livre pensamento; seus posicionamentos, ainda que lúcidos, são transformados em chacota pelo justo fato de serem expostos por uma pessoa idosa, cujo histórico de vida é desmerecido e desrespeitado por ter ultrapassado o limite etário para falar.
O que leva um grupo de jornalistas, formadores de opinião, que estiveram quatro anos sentados numa cadeira universitária estudando Ciências Humanas, a se sentirem confortáveis com a arrogância de humilhar e rir de um senhor de 74 anos, dos quais mais da metade deles estiveram a serviço da comunicação alagoana?
Assim como a qualquer outro ser humano, ao França Moura foi negado o direito de envelhecer. Apesar de idoso, seus colegas de profissão o transformaram em demente e safado. Leiam novamente “demente” e “safado” e tentem visualizar a imagem de um ícone da comunicação alagoana. Honestamente, não consigo enxergar a lucidez do França Moura nesse estereótipo.
Não é porque ele é meu tio ou porque ele foi durante muito tempo referência para mim, que eu escrevo esse texto. O que me motiva escrever é minha predisposição a não calar diante das injustiças e da falta de respeito à pessoa humana, seja ela quem for.
E se o discurso é justificado por qual lado político se fala, é tudo muito pior, porque desmoralizar, na esfera pessoal, o contraditório é de uma pequenez que deveria ser motivo de vergonha.
Pessoalmente, discordo em gênero, número e grau de toda a reflexão do meu tio. Mas tenho plena consciência de que se trata de uma crença empobrecida e simplista do processo hitórico-social que contaminou a alma do brasileiro, não apenas a dele, muito menos por causa da idade. Fui expulsa três vezes do grupo de WhatsApp da família França Moura porque pareço ser a única a pensar em valores gerais da História nacional e da espiritualidade do povo brasileiro, no entanto, jamais usaria palavras como “safado” ou “demente” para adjetivar meus tios ou qualquer outra pessoa (idosa ou não) que usa o direito de expressar seu livre pensamento lúcido. Sim, apesar de idoso, França Moura continua LÚCIDO.
Mas, para além da reflexão ampla sobre essa capacidade de respeitar o contraditório direito de existência do Outro, há figuras que deveriam merecer nada menos que cumprimentos. Uma dessas pessoas é o próprio França Moura, cuja voz e justeza fazem parte da memória cativa de qualquer alagoano que ouve rádio local. Qual ouvinte não conhece França Moura? Quem ousa dizer que não possui memória com ele? Quantas formas de desrespeito são necessárias para borrar a história de alguém como ele? Quantos Fulano e Fulana deveriam ser ouvidos para que a memória afetiva do rádio alagoano desista de dar ao França Moura o lugar que ele tem na história e na tradição da comunicação alagoana? Quanta arrogância travestida de “anti-direita” é preciso para entender que não há limites para o respeito?
